domingo, 4 de maio de 2008

Crianças Selvagens


Maria Isabel Quaresma dos Santos é o único caso português no campo das Crianças Selvagens. Nasceu a 6 de Julho de 1970 no distrito de Coimbra, na vila de Tábua. A sua mãe, Idalina Quaresma dos Santos, denotava alguma debilidade mental. A criança vivia com a mãe no Lugar Da Vacaria, uma pequena aldeia onde a pecuária e a agricultura constituem as principais actividades económicas. A pequena Isabel habitava um galinheiro onde supostamente a mãe a terá colocado apenas algum tempo após o seu nascimento. Foi aí que viveu durante oito anos da sua infância, tendo como única companhia as galinhas, durante o tempo em que a mãe trabalhava no campo. Alimentava-a de milho, couves cortadas e uma caneca de café.
A sua existência foi revelada ao público por um grupo de jornalistas que andavam a investigar o caso, em 1980. Quando a pequena Isabel foi encontrada, esta possuía algumas características físicas muito específicas. Entre elas, podemos destacar:
· Subdesenvolvimento ósseo;
· Grande debilidade;
· Cabeça demasiado pequena para a idade;
· Face com semelhanças flagrantes com os galináceos (perfil, posição labial, dentição formada como se fosse um bico);
· Olhos grandes (rasgados no sentido descendente);
· Posição dos braços muito idêntica às asas das galinhas;
· Calos nas palmas das mãos.
· Uma catarata no olho direito, certamente originada por uma picada de galinha.
Já a nível comportamental, Isabel demonstrava características semelhantes às das suas companheiras durante anos da sua infância:
· Atitudes extremamente agressivas, com tendência para destruir tudo o que estivesse ao seu alcance;
· O seu comportamento mais usual era mexer os braços como se fossem asas de galinha e guinchar;
· Comia os seus próprios cabelos;
· Defecava em qualquer parte e ingeria as próprias fezes.
Isabel acabou por ser internada no Colégio Ocupacional Luís Rodrigues, em Lisboa, que entretanto foi fechado pela Segurança Social. Actualmente encontra-se na Casa do Bom Samaritano e de acordo com uma notícia publicada pelo “Diário de Notícias” em 1998, Isabel não crescera muito, já conseguia andar sem ajuda em superfícies que não fossem demasiado irregulares, tinha muito mais controlo sobre as suas emoções e tinha já desenvolvido mais competências a nível social, conseguindo estar em grupo. Conseguiu ainda aprender a interpretar expressões faciais emocionais de outras pessoas, conseguindo ela própria produzir algumas. Comunica apenas com algumas palavras, respondendo a algumas frases simples. Nunca conseguiu recuperar totalmente do dano que lhe tinha sido feito.
O caso de Isabel e de muitas outras crianças selvagens (como Victor de Aveyron) fazem-nos duvidar da nossa condição humana. De facto, é difícil reconhecer a humanidade destas crianças, apesar de elas terem sido geneticamente determinadas a nascer com algumas características que são comuns a todos os indivíduos da espécie humana (olhos, boca, nariz, orelhas, etc.). Isto é a prova de que o ser humano é um ser prematuro (não nasce completamente formado), possui um programa genético aberto. Através destes casos, podemos realçar a importância das vinculações precoces e da socialização primária: é através do contacto com outros seres humanos que eu aprendo a ser humano.
Os modos como estas crianças se relacionam com os outros e com o mundo provoca em nós uma estranheza imensa. Apesar de, biologicamente, serem humanas, é-nos difícil relacionar a nossa experiência com a delas, compreender a forma como sentem, pensam e agem. Assim como nós não nos reconhecemos nelas, elas também não se reconhecem em nós. As suas capacidades, as suas características muito próprias, as marcas (sejam elas físicas ou mentais) provam-nos o quanto dependemos dos outros, do contacto físico e sociocultural com eles, para nos tornarmos os seres humanos que somos.

MONTEIRO, Manuela Matos, FERREIRA, P. T. (2007), Ser Humano, Psicologia B, Porto Editora.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Crian%C3%A7a_selvagem
http://www.feralchildren.com/en/showchild.php?ch=isabelq

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