sábado, 12 de abril de 2008

O ser humano para além do biológico...

Concordo plenamente contigo, Sofia Oliveira, o Homem é um enigma. “Quem é afinal este ser que se julga tão grandioso e que ao mesmo tempo não consegue dizer quem é?”
Aquilo que nós somos é resultado da nossa memória. A memória retém acontecimentos, informações, ideias, conhecimentos, encontros. É ela que nos torna únicos, assegura-nos a nossa identidade pessoal. Se associamos a memória à manutenção do passado, convém salientar que é graças a esta que podemos estruturar o nosso presente e que é possível pensarmos e projectarmos o futuro. A nossa sobrevivência está dependente da memória pois é esta que nos permite, sempre que necessitarmos, actualizar a informação necessária para responder aos desafios do meio.
Que noção da realidade tem alguém cuja memória dura apenas 30 segundos?
“Memento” de Christopher Nolan trata-se de um “thriller” psicológico construído…ao contrário. O protagonista como não consegue conservar nenhuma memória mais do que alguns minutos, necessita de escrever as suas memórias a cada instante, e fá-lo em grande parte, em tatuagens no seu próprio corpo. No limite, ele é o fantasma andante da sua própria história, quer dizer, a prova carnal de como qualquer tentativa de controlar o fluxo do tempo se aproxima da máxima lucidez ou da máxima loucura.
A personagem tem a mesma noção da realidade objectiva de que qualquer um de nós pois a única realidade objectiva é aquela das coisas percebidas pelos nossos sentidos, no instante. O que o amnésico perde é a noção de identidade e a noção de sentido. É o que nos permite julgar, tomar decisões. Um homem que perde a identidade que motivo poderá ter para continuar a viver? Qual o sentido para a sua existência, para a sua vida? Mas, o sentido não está no real, no mundo, mas sim no ideal, dentro de nós. Não está no que é, mas sim no que deve ser.
Quantas vezes criamos versos e imagens que nunca existiram? Podemos não agir sempre de acordo com as nossas recordações, mas o que fazemos fica sempre escrito pelo tempo, sendo também ele que apaga o que pensamos. Contudo, o ser humano também tem a capacidade de esquecer o que pretende esquecer, é uma forma de mecanismo de defesa através do qual pensamentos, desejos, sentimentos e recordações dolorosas são afastadas da consciência com o objectivo de reduzir a tensão provocada por conflitos internos. Tudo o que é mental pode ser construído, reformulado, manipulando o próprio ser humano.
O que somos, para além do que sabemos ou do que julgamos saber? E o mundo o que é para nós, para além do que julgamos nele ver?
O drama de Lenny, o protagonista, pode ser resumido nas suas próprias palavras “preciso acreditar que, ao fechar os olhos, o mundo continuará a existir”.
O mundo é o que está na mente de cada um de nós.
Penso que um pequeno excerto que li num livro de Nicholas Sparks – “Alquimia do Amor”- apesar de se referir concretamente à doença de Alzheimer, acho que podemos estabelecer uma certa proximidade com Lenny pois o seu “estado clínico” também está relacionado com a memória imediata – “Allie sofrera de Alzheimer, doença que acabei por considerar uma verdadeira invenção do demónio. É um lento desfazer de tudo aquilo que a pessoa já foi. Afinal, o que somos nós sem as nossas memórias, sem os nossos sonhos?”

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