domingo, 6 de abril de 2008

“A nossa memória é a nossa coerência, a nossa razão, o nosso sentir, até as nossas acções. Sem memória não somos nada…”


A memória é um processo cognitivo que consiste na capacidade de reter e recuperar informação. A informação, quando recuperada, não é reproduzida do mesmo modo como foi armazenada. Por isso se afirma que a memória é um processo activo, dado que os seus materiais sofrem alterações: muita informação se perde, outra se transforma com o decorrer do tempo e com as experiências vividas. Não reproduzimos fielmente o que adquirimos, o que retivemos: seleccionamos, excluímos, alteramos. Assim, a memória envolve um conjunto complexo de processos que prevê:
- Codificar : consiste em transformar a informação que nos chega através dos sentidos em representações mentais;
- Armazenar: consiste na conservação da informação durante um certo tempo, variável em função da necessidade que se tem dessa informação;
- Recuperar e utilizar a informação armazenada no processo de interpretação e acção sobre o meio.
É uma capacidade fundamental que permite a adaptação do ser humano ao meio, “cabe ao cérebro seleccionar o que é relevante para assegurar a própria sobrevivência do indivíduo e da espécie”. É graças à memória que é possível reter o que se aprendeu. A aprendizagem corresponde a processos de adaptação: ler, falar, ter determinado comportamento social... É a memória que assegura o reconhecimento das nossas experiências pessoais passadas, o nosso património individual que dá significado ao que vivemos no presente. É também graças à memória que nos reconhecemos como pessoas com uma história de vida única, uma identidade pessoal e singular.
A memória tem diversos graus de retenção temporal da informação. É universalmente aceite a existência de dois níveis de memória: memória a curto prazo e memória a longo prazo. Assim:
- Memória a curto prazo: armazena temporariamente a informação percepcionada, podendo ser esquecida ou passar para a memória a longo prazo. Neste tipo de memória distinguem-se duas componentes:
- Memória imediata: o material recebido fica retido durante uma fracção de tempo – cerca de 30 segundos.
- Memória de trabalho: mantemos a informação enquanto ela nos é útil. Por exemplo, um número de telefone que não tivemos oportunidade de registrar por escrito.
A memória imediata e a memória de trabalho são complementares, formando a memoria a curto prazo.

- Memória a longo prazo: retêm os materiais durante horas, meses ou toda a vida. Este tipo de memória é alimentada pelos materiais da memória a curto prazo que são codificados em símbolos. É possível distinguir então dois tipos de memória a longo prazo:
- Memória não declarativa: armazena conhecimento referente ao “modo de fazer”, não estando relacionada com a evocação consciente de informação. Este tipo de memória é frequentemente de difícil verbalização. Como por exemplo, andar de bicicleta, o exercício, o hábito, a repetição, tornam esta actividade automática, reflexa. Só se acede a este tipo de memória agindo! Pois, é-nos muito difícil explicar a alguém por palavras como andar de bicicleta.
- Memória declarativa: Armazena informação do tipo declarativo: factos e acontecimentos. O nome provém de se poder explicitamente “solicitar” ao nosso cérebro para que estabeleça uma relação entre um par de estímulos. Exemplo: Qual a capital de Portugal? Lisboa. Distinguem-se neste tipo de memória dois subsistemas:
- Memória episódica: associada a informação referente a um contexto particular, como uma “relação íntima entre quem recorda e o que se recorda”. É utilizada na memorização de vivências pessoais, como sensações, emoções e associações pessoais (recordações), relativas a um lugar particular ou momento. Por exemplo, sabemos “relembrar” alguns episódios da nossa infância, os rostos dos nossos amigos, as músicas que nos são preferidas...
- Memória semântica: refere-se ao conhecimento geral sobre o Mundo, como, por exemplo, as leis da gramática, fórmulas matemáticas. Neste tipo de memória não há localização no tempo, não estando ligado a nenhum conhecimento específico. Assim, sabes que açúcar se escreve com um ç. Este conhecimento faz parte da memória semântica. Se, entretanto, associares que quem te ajudou a aprender a escrever a palavra açúcar foi a tua avó, este dado já faz parte da tua memória episódica.
Quando evocamos um objecto, um facto ou acontecimento, a sua representação na memória não é uma reprodução fiel. Quando, por exemplo, confrontamos a nossa representação acerca de um local com os nossos amigos, verificamos, divergências em relação às características que lhe são dadas. A representação que temos está associada a experiências positivas ou negativas que obtivemos naquele local, o que afecta o modo como a reproduzimos. Assim, ao veres sorrir alguém a quem disseste, por exemplo, Lisboa, poderá ter ocorrido nesse local um acontecimento afectivo e importante e daí o seu sorriso.
Se guardarmos um trabalho de psicologia no nosso computador, esperamos, recupera-lo mesmo, passados alguns anos, do mesmo modo que o guardamos. O mesmo não se passa na nossa memória, pois, cada um de nós enquadra a informação de acordo com a sua história pessoal, com a sua individualidade e experiências únicas. Contrariamente a um computador a memória não reproduz exactamente o registo, ela reconstrói os dados que recebe do meio, utilizando uns e omitindo outros. Por isso, se diz que a memória tem um carácter adaptativo uma vez que armazena apenas o que e útil para a nossa sobrevivência.
O esquecimento é um processo inerente à memória. Se retivéssemos tudo, seria impossível receber novas informações. Tem uma função selectiva, dado que afasta materiais que não são úteis ou necessários, e ocorre nos diferentes níveis de memória. O esquecimento é então incapacidade de reter, recordar ou reconhecer uma informação. Existem factores que explicam o esquecimento, sendo eles:
- Esquecimento regressivo: uma hipótese para explicar o esquecimento reside no desaparecimento do traço fisiológico registado no cérebro (engrama) devido à passagem do tempo (fase idosa). O esquecimento teria origem na perda de retenção provocada pela não utilização dos materiais armazenados. O traço desapareceria devido à falta de repetição do exercício. No entanto à aprendizagens que nunca esquecemos, como andar de bicicleta. Para muitos o esquecimento teria então origem na deformação dos conteúdos retidos.
- Esquecimento motivado: Freud apresenta uma explicação para o esquecimento, o “recalcamento”. O sujeito esqueceria acontecimentos traumatizantes que teriam ocorrido, para evitar a angústia e a ansiedade. As recordações dolorosas eram inibidas, mantendo-se “recalcadas”, esquecidas no inconsciente.
- Interferências de aprendizagens: um dos factores que explica o esquecimento reside na interferência de aprendizagens na retenção de novas experiencias, novas aprendizagens que alteram algumas das memórias mais antigas. Assim, as memórias retidas são moldadas, reformuladas de acordo com a experiência.
As representações que temos acerca do Mundo implicam uma selecção da informação, a sua codificação, a associação a experiências anteriores ou a acontecimentos relevantes. Marcadas pela experiência, pelas emoções, pelos afectos, as representações são guardadas pela memória, sendo activadas sempre que necessário.

Filipa Correia

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